O Zé João é um homem amargurado com a vida e pergunta-se a toda a hora por que raio decidiram alterar o código da estrada. Há alguns meses começou a sua tortura, quando ouviu no Jornal Nacional que o uso de um colete retrorreflector de acordo com a norma europeia NP EN 471 ou NP EN 1150 ia ser obrigatório. Começou a sua saga quase esgotante que o levou a percorrer todos os mini, super e hiper-mercados da zona que, para sua azia, ainda não estavam dentro das normas e por isso não vendiam os coletes. Uma questão de norma.
Nisto, quando finalmente conseguiu dormir, pela primeira vez, uma noite seguida - depois de ouvir no Você na TV, do Manuel Luís Goucha e daquela moça loira, que o prazo para compra de coletes tinha sido alargado - encontrou o vizinho Tó Manel, que lhe indicou a loja dos chineses como ponto de venda dos ditos retrorreflectores. Prontamente se dirigiu ao "Mundo Bom", porque se há coisa que não escusa é cumprir o que a Manuela Moura Guedes diz na televisão. Comprou cor-de-laranja, ó único que havia. Descansado colocou o colete, ainda embalado, tamanho XL por causa da cerveja e dos tremoços ao final do dia, na bagageira do seu bem estimado Renault 21.
Mas se há coisa que Zé João não perde é o Jornal Nacional e quando não é a Manela a apresentar, coloca a gravação do dia anterior no seu VHS Philips. Certo dia à noite, já depois da plástica e de estar como nova, Manela Moura Guedes, ela mesma, avisa que a cor do colete homologado não pode ser cor-de-laranja. Zé João sente a espuma da cerveja a percorrer-lhe as veias e, ainda por cima, já passa das 20 horas, e os chineses já fecharam o bazar. Dia seguinte, com umas olheiras até aos joelhos, é o primeiro a ser atendido e compra, desta vez, um colete verde. Pelo sim, pelo não, mantém o laranja na bagageira do seu carro francês de 1991 e junta-lhe o verde. Uma semana inteira descansado... foi o máximo que conseguiu, desde o anúncio do Governo, em Fevereiro do corrente.
Oito da noite e a Manela, com os lábios ainda mais vermelhos do que no dia anterior, esclarece que verde é capaz de ser má cor, já que é o tom usado nos coletes da GNR e, apesar da onda de insegurança, a multiplicação de coletes pouco ajudaria. Acabou por ser o primeiro dia que Zé João se confrontou com a sua úlcera nervosa e repetiu, vezes sem conta: amarelo, amarelo, amarelo. Desta vez, num misto de superstição e de patriotismo decide ir ao Alisuper comprar o colete AMARELO. Assim o fez e mais um colete para a bagageira. Quase de propósito, o sr. que manda na DGV convoca uma conferência de imprensa para o dia seguinte e esclarece, de uma vez por todas, que os coletes obrigatórios podem ser de qualquer cor. Assim mesmo, com esta frieza. As palavras verde, laranja e amarelo foram sentidas por Zé João como chumbadas de pressão de ar. E afinal, a utilização foi adiada mais uma semana.
Três coletes depois, uma úlcera nervosa e para cima de 10 euros gastos sem propósito, chegou finalmente o dia. "A partir de hoje é obrigatório o uso de colete retrorreflector", anunciava Manela, às oito em ponto, naquele que é o Jornal Nacional. A paz que parecia voltar a reinar cedo se desfez. A Maya, no SIC 10 Horas da manhã seguinte, insiste que é de muito mau gosto usar o colete vestido no banco do pendura - "um horror". Zé João, como acredita na taróloga e faz a sua vida de acordo com as previsões matinais de bons ou maus astros, dobrou o seu colete amarelo e voltou a colocá-lo na embalagem. No café central de Sassoeiros um dos amigos da "bejeca" avisa-o que a polícia vai multar quem andar com o colete dentro da embalagem, porque numa situação de emergência não é funcional. Zé João deixa a mini bem gelada a meio e corre até ao carro para desembrulhar novamente o colete. Com medo do que a Maya poderia dizer no dia seguinte, e com medo de influenciar os astros, já que o seu ascendente nesse dia estava em capricórnio, coloca o colete na bagageira, mas fora da embalagem.
A mulher, Francisca, que nada percebe de carros a não ser que o preço da gasolina sem chumbo 95 está sempre a subir, disse ao seu Zé João que o colete na mala do carro não servia para nada. "Então se tiveres que mudar um pneu, mal abres a porta do carro para ir buscar o colete, o guarda vai-te multar, porque deste um passo com o carro parado na berma sem estares a retrorreflectir". Assim mesmo, como vinha na revista Maria dessa semana. No intervalo da telenovela Zé João vai ao carro e toma uma das mais exigentes e difíceis decisões da sua vida. Deixa o colete verde na bagageira, o laranja no banco de trás dentro do plástico e o amarelo vestido no seu próprio banco. Agora sim, estava de acordo com a lei, com a norma europeia, com as cores, com tudo e podia finalmente pegar de novo no seu Renault 21, que não sai da porta da vivenda desde Fevereiro, para não arriscar a multa.
No dia seguinte, a sair do cruzamento onde se apresentava pela esquerda e quando os semáforos estavam avariados depois de uma fuga numa conduta de água duas ruas mais abaixo, teve um acidente. Ficou de boa saúde, mas o carro sem arranjo. Quando vai a sair do carro, ficou tão indeciso em realação ao colete que devia vestir que soltou, num desabafo mais que merecido: "Porra!"
5 comentários:
Clap, clap, clap, clap!!! Muitos parabéns... está excelente!!! Eheheheh muito bom!!!
Não sei pq mas criei uma certa empatia com o Zé João...
Abaixo os coletes reflectores, que ainda por cima só estão à venda em tamanhos gigantones!
O meu colecte teve que ser personalizado: está cintadinho e com umas pregazinhas de lado. Assim compensa o amarelo que não combina com o meu tom de pele deslavado.
(:
Se, o vestir do colete, se revê num acto de daltonismo, então o condutor não deve julgar que a culpa é sua, mas de quem faz coletes com cores que não respeitam os daltónicos. Por outro lado, se o condutor assume que a cor do colete é da inteira responsabilidade dos astros e de seus "publicitários", deve então incorrer numa contra ordenação, não muito grave, mas sim, extremamente gravíssima! E concluí isto, obviamente, retrorreflectindo. De qualquer das formas, a culpa é sempre do governo e da Carris!
Excelente Cláudio! Muito bom!
O Zé João agradece pelos elogios, mas não estava à espera, e do alto da sua timidez diz: "oh!"
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