sábado, 13 de agosto de 2005

A menina com medo de morrer nos dias de chuva

A resposta chegou às 13 horas e 13 ninutos de uma sexta-feira. Iris conseguiu finalmente estabelecer um pacto com uma entidade superior que nem ela conhece, mas que chama de Ramyrdo. Iris acredita que tudo pode ser definido previamente, desde que se acredite nisso, e tratou de dar início a uma série de pactos que julga fundamentais para que a sua vida prossiga sem grandes sobressaltos. Por isso, tomou uma decisão, fruto da sua pouca habilidade em lidar com a morte. No alto do miradouro perto de sua casa, no Alentejo tórrido e profundo, estabeleceu com os olhos colocados nos céus que só podia morrer num dia de chuva.

A ideia era clara na sua cabeça. Na Amareleja, dos 365 dias do ano, em praticamente 300 não caía pinga de chuva. Se por um lado, Iris andava perfeitamente descansada e feliz, tinha uma preocupação diária que não descorava. Deitava sempre o olho ao final do Telejornal para ver as previsões da meteorologia. E quando havia a possibilidade de cairem uns meros aguaceiros, Iris já não dormia e vivia o dia amargurada, sem paciência e respondia mal a quem lhe dirigia a palavra. Nestes dias lembrava que o gato Botas tinha morrido num dia de chuva, o periquito Tomás tinha fugido num dia de chuva e que a avó Matilde tinha morrido num dia de chuva torrencial. E pedia a Ramyrdo que não fosse já amanhã, ela que era tão nova.

Mas o certo é que a sua relação com a chuva era cada vez mais de medo,e representava uma transfiguração da sua personalidade com o tempo que espreitava do lado de fora da janela. E se estes pactos eram fáceis de estabelecer, eram mais difíceis de romper. Como Ramyrdo não respondia, Iris ficava sempre com a sensação, mesmo depois de ter tentado romper o pacto, que o seu ser superior não a ouvia e que o acordo estava de pé. Por isso, mesmo quando achava que estava livre, dava consigo a olhar para a meteorlogia e a ficar indisposta de cada vez que a chuva ameaçava cair. Nos dias de chuva nem sequer saía de casa, para não chamar a desgraça. Apesar dos seus 18 anos, Iris pensava demasiado na vida e no futuro. E para se precaver, nos dias de chuva, não ia à escola. Ela que era a melhor aluna da turma, mas que aos olhos dos colegas, era uma menina frágil, porque estava sempre a faltar por causa da sua doença, que ninguém sabia bem o que era.

Era um segredo dela e os pais quase não se preocupavam, já que os dias de chuva na Amareleja são tão poucos, que nem torna o caso flagrante. Hoje o dia foi perfeitamente normal, com um sol radioso e uma tarde de diversão com a amiga Júlia. Já em casa, a mãe grita da sala e avisa que vai dar a meteorologia. Para a mãe de Iris este gosto pelo tempo ia fazer da filha uma daquelas meninas bonitas que apresenta o tempo, sempre bem vestidas e maquilhadas. Iris veio a correr do quarto e ouviu: “Amanhã vão ocorrer aguaceiros fortes no Baixo Alentejo, provocados por uma baixa pressão que está neste momento a passar pelo Sul do país”. O mundo voltou a ficar em suspenso e pode ser já amanhã...

1 comentário:

Cláudio disse...

sem dúvida o comentário mais original deste blog! eheheh