segunda-feira, 25 de outubro de 2004

Homenagem... (muito obrigado!)

Quero aqui dar os parabéns ao Marco pela brilhante Menção Honrosa recebida com este conto, atribuído pela Universidade do Porto e inserido no concurso “Uma Utopia para o Século XXI”. Aqui, na Ventoinha, publicamos um excerto desta obra que, brevemente será publicada na revista E-topia. Parabéns e obrigado pela colaboração valiosa, Marco.

Cláudio

“A Cidade de Plúris”

Plúris, 7 de Janeiro de 2025


Caro Miguel:

Em primeiro lugar espero que esta carta, fiel emissora da minha saudade, te encontre de soberba saúde, para que, enfim, a possas ler de uma assentada sem que te falte fôlego, e mais importante, sem que te pare o coração, pois a excitação para que te preparo é algo de inigualável. Temo dizer-te para onde vim, não te aqueça demasiado o sangue, e explicar-te como é lindo e maravilhoso este mundo novo. Em tuas reflexões revelaste, vezes que não foram poucas, o desejo de conhecer uma terra – sendo tudo menos desta Terra – que fosse o sítio em cuja perfeição se envergonha de si mesma. O sítio onde o Olimpo é mero pormenor, repasto de esplendor e beleza, o sítio onde o Sol não se quer pôr. Digo-te, Miguel, tal sítio existe! Perdoa-me a exclamação, porém é pouca, toda a entoação que pretenda exaltar esta cidade, cai por terra como um esforço gorado. Suficientemente intrigado? Ainda não? Esperava de ti a frieza e a calma necessárias para ouvir tal relato sem que te saltasse do peito o coração, mas também te digo que se não cederes pela razão hás-de ceder por esse órgão “cupidoso”, tamanho romântico que és. Não esforces a razão a onde ela não consegue ir, deixa-te antes levar pelo meu relato que, na intempérie do intelecto, é tónico, e no oceano do impossível é farol da possibilidade. […] Esta maravilhosa cidade, pérola luminescente da história humana, alberga, actualmente, cerca de três mil quatrocentos e trinta e cinco habitantes, tem metade do tamanho da cidade de Lisboa e, segundo parece, pois ainda não tive tempo de visitar, tem uma tapada civil fora dos limites da cidade, até aos confins da ilha, que possui espécies conhecida pelos nossos livros de Biologia e outras que nem sonhamos conhecer. Toda a urbe se transforma em jogos de cor, com a alegria e vida dos habitantes e com motivos de mar que enfeitam as ruas e os edifícios. Cá – que contente estou por aqui estar – todas as ruas levam ao centro da cidade, onde se encontram os principais edifícios, os mais altos – uma vez que toda a cidade está pensada em extensão e não em altura – são as Torres Didactis, o principal edifício, e o Armazém de Plúris, uma espécie de mercado grossista para onde desagua toda a produção e de onde se abastece toda a cidade. Ambos os edifícios são de requintada arquitectura, de fino recorte organicista, que ao invés de se destacarem da paisagem urbana, se mesclam com divina proporção e fluidez, qual coração no seu corpo. É ao que se costuma chamar a cereja no topo do bolo. Todas as ruas desta magnifica urbe, onde Deus, com toda a certeza, passeou, são de uma engenharia, que mais parece fina iguaria, para os olhos dos ávidos humanos. O recorte da malha urbana é fluido, embora fechada sobre si, a cidade, permite que hajam fugas, ditas de contemplação, para a sua Tapada Civil. Profundamente inserida no meio onde está, não é bloco de betão sem músculo é antes cristal de lápis-lazúli, espelhando a natureza quase sobre-humana dos seus habitantes e dos seus próprios construtores e arquitectos. Miguel, é como te digo, impera aqui a genialidade, em poucos minutos sabes tudo o que há para saber deste sítio, e em menos tempo te apaixonas, estou deslumbrado e quase molho o papel com as lágrimas, não só porque estou a ver o que de certa forma sonhaste, e é tamanha a emoção, mas porque escrever-te a contar se revela uma experiência sobremaneira injusta. Roçando quase o sarcasmo e o escarninho, parecendo que te estou a fazer pirraça. Não julgues tal, esta carta pode muito bem ser um convite. Contínuo, no entanto, o relato, hás-de visitar este sítio. […]
[…] A ideia fundamental do povo pluriano reside no esforço e no sofrimento de cada um, qualquer pretensão que faças para compreender este sistema sairá gorada, no nosso mundo, tal qual o conhecemos, não existe tolerância e intelecto que alberguem tal ideia. Fundamentalmente, aqui, todos os indivíduos têm todas as profissões – perdoa o absurdo, mas é a verdade. De acordo com a Constituição da Excelsa e Plúridemocrata Cidade de Plúris todo o habitante deve participar da profissão do outro, este artigo visa a compreensão, de todos os indivíduos, das dificuldades e vantagens de todas as profissões. Acabo assim por revelar o outro motivo pelo qual a cidade se chama Plúris. Este motivo é mais forte porque toda a Constituição visa a pluridisciplineiriedade e o pluriprofissionalismo dos habitantes da cidade. É claro que existe toda uma estrutura de ensino que permite o funcionamento de tal sistema, mas revelarei mais tarde, de momento retenho-me a contemplar alguns dos pontos arquitectónicos e constitucionais do funcionamento da cidadela.
Desta forma a própria arquitectura fluida em forma de espiral, e a colocação precisa dos edifícios importantes, fazem desta cidade um sítio único. Uma espécie de osmose constituição-arquitectura faz da cidade um misto entre industrialismo gritante e organismo naturalmente atenuante. A ideia é conservar o habitante para que se sinta em casa a todo o momento, da mesma forma há uma preocupação incrível com a actividade contemplativa dos indivíduos – os habitantes de Plúris são muito dados à reflexão – que prima precisamente pela possibilidade de deslocação que a cidade oferece para fora dela até à Tapada Civil. É um misto de mãe galinha mãe loba, esta cidade, com todo o poder concentrado nela, isto é tudo o que um individuo necessita para viver, como se a cidade tivesse vida e se preocupasse em demasia com os seus “filhotes”, da mesma maneira, à moda de mãe loba, atira-os para fora dela, para o meio da contemplação do selvagem e do misterioso desígnio da natureza. Como disse atrás, nunca se sabe onde começa e onde acaba Plúris, mas sabe-se que existem limites. Plúris é sonho. […]

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